A idade do lobo

Aline chegou animada na festa. Usava seu vestido vermelho da sorte, na esperança de que ele finalmente a notasse. Era aniversário de Julia, sua melhor amiga. E a casa estava movimentada, cheia de adolescentes com hormônios transbordando.

Não demorou muito para o encontrar. Mais alto e robusto do que a maioria dos meninos, Marcelo não passava desapercebido. Porém, não parecia perceber mais ninguém. Estava rodeado de amigos, e não se preocupava com o que acontecia em sua volta.

Aline resolveu se aproximar da roda, e quem sabe, participar da conversa. Caminhava com o olhar fixo em seu alvo, pensando em como abordá-lo. Oferecer uma lata de cerveja? Ele já segurava uma. Ou um dos sanduiches? Não, isso seria muito idiota.

Distraída, trombou com alguém vindo na direção oposta, e imediatamente sentiu um líquido gelado molhar todo seu vestido.

– Me desculpe, princesa! – Um homem barbudo se lamentou. – Não vi você. Mas fique tranquila, era só água dentro do copo. Não vai manchar esse seu lindo vestido vermelho.

– Tudo bem, eu também não estava prestando atenção.

Sem graça, Aline olhou para onde os meninos estavam. Aparentemente nem notaram o ocorrido. O desconhecido estendeu a mão:

– Me chamo Jorge. Trabalho com o pai da Julia.

– Aline. – Aceitou o comprimento sem prestar muita atenção.

– Você é linda, princesa! Deve ter uma fila de fãs atrás de você.

Tal comentário a tirou de seus devaneios e a fez prestar atenção na pessoa a sua frente. Jorge não era muito alto, mas era grande. Tinha cabelos presos em um rabo baixo, uma barba volumosa que já ficava grisalha e sobrancelhas grossas e peludas. Seu sorriso mal intencionado mostrava dentes grande e amarelados. Sentiu uma certa repulsa.

– Obrigada. Preciso encontrar a Julia agora…

Rapidamente se desvencilhou daquele homem inconveniente e encontrou sua amiga na área da piscina. Enquanto conversava com a aniversariante, podia ver o tal de Jorge parado a alguns metros, com o olhar fixo nela. Era inquietante.

– Que cara estranho esse amigo do seu pai. Ele não para de olhar para cá!

– Quem? O Jorge? Não liga pra ele não. Papai sempre fala que ele está na idade do lobo.

– Idade do lobo?

– Você sabe: coroas que não aceitam que são coroas e continuam tentando pegar as menininhas.

– Que nojo!

A festa passou rápido. Foi divertida, mas Aline não trocou nenhuma palavra com Marcelo, e aquele coroa esquisito não parou de rodeá-la. No final, seu humor já estava péssimo e ela só queria ir para casa.

– Leve um pedaço do bolo para sua avó, Aline. Espero que ela esteja melhorando dessa gripe terrível! – A mãe de Julia embrulhava um pedaço generoso para viajem. – Tem certeza de que é seguro você andar sozinha na rua a essa hora? Já é quase uma da manhã.

– Claro, tia, não se preocupe. São só três quarteirões.

Aline saiu para a noite fresca, andando rapidamente por aquele percurso entre as casas do bairro que já cruzara inúmeras vezes. O caminho não estava bem iluminado, mas a menina já conhecia de cor cada desnível das calçadas.

Ao cruzar o primeiro quarteirão, ouviu passos se aproximando às suas costas. Virou-se imediatamente e se deparou com uma massa escura se movimentando pelas sombras da rua. Ia sair correndo, quando uma voz conhecida a chamou:

– Calma, princesa! Sou eu, o Jorge. Fiquei preocupado com você andando sozinha a essa hora e vim te acompanhar até sua casa.

O coração da Aline ainda estava galopando quando reconheceu a barba volumosa e os dentes amarelados. Não ficou muito aliviada em vê-lo, mas sabia que poderia ter sido pior.

Em silencio, foram andando lado a lado. Jorge jogou a bituca de cigarro no chão e a esmagou com o sapato. A repulsa da menina só aumentou ao sentir o cheiro azedo da nicotina. Ao cruzarem o segundo quarteirão, o homem subitamente jogou seu peso sobre o corpo pequeno de Aline, obrigando-a a entrar em um beco mais escuro.

A surpresa impediu a garota de reagir, e Jorge aproveitou para encurralá-la contra um muro.

– O que está fazendo?!

– Você já tem idade suficiente para saber das necessidades de um homem, princesa!

Aline podia sentir a barba áspera com cheiro suor roçando no seu pescoço, o hálito amargo suspirando em seu ouvido, enquanto uma mão quente e úmida subia por suas pernas e agarra sua nádega por baixo do vestido.

– Pare com isso! Socorro! Socorro! Socorro!

Foi calada por uma bofetada na face que a derrubou no chão. Jorge sentou-se sobre ela, a imobilizando, enquanto desafivelava o cinto.

– Socorro! Socorro! Alguém me ajude, pelo amor de Deus!

Mais uma bofetada deixou a menina tonta e com gosto de sangue na boca.

– Vou bater quantas vezes forem preciso até que você cale essa boca, princesa!

Aline chorava e tentava se desvencilhar daquele peso, mas era inútil, ela não tinha a força necessária. Jorge agora forçava suas pernas para que se afastassem enquanto ela esperneava e tentava chutá-lo.

– Socorro! Por favor, socorro!

Outra bofetada, mais forte dessa vez. Aline apagou por alguns segundos. Pôde ouvi-lo abrir a braguilha, mas a investida não aconteceu. Com a visão fora de foco, a menina percebeu que Jorge lutava com o zíper da calça emperrado, que lacerara seu prepúcio, fazendo o sangue escorrer enquanto ele gemia de dor. Se esgueirou então como uma cobra para sair de baixo do homem o mais rápido que pôde.

Livre do agressor, seu primeiro impulso foi sair correndo dali. Porém algo a deteve. Notou uma grande pedra solta do calçamento. Agarrou-a com ambas as mãos e com a maior força que conseguiu, golpeou a cabeça do violador que ainda se encontra ajoelhado no chão.

Jorge caiu imóvel. A garota se deteve por um instante. Não sentia mais o desespero para sair dali. Seu medo fora substituído por uma grande satisfação. Observou o homem inerte por um momento, indefeso como ela estava a pouco. Sem pensar, ergueu novamente a pedra e o golpeou na cabeça mais uma vez. E de novo, de novo e de novo, sentindo um frenesi e uma excitação como jamais experimentara antes. 

Quando seus braços cansaram, fitou admirada a massa amorfa que antes fora um rosto, e agora não passava de sangue, ossos e massa encefálica exposta. Sorriu satisfeita:

– Eu não sou uma princesa!

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