A trajetória de Sophia

Sophia apareceu pronta no meu imaginário, em um momento em que escrever um livro nem me passava pela cabeça. Eu estava presa no trânsito, na Avenida Rebouças em São Paulo, desesperada para conseguir chegar no horário para atender os pacientes do consultório. Mas eu não tinha para onde ir: os carros não saiam do lugar. Então minha mente divagava, ela sim, livre.

Assim, a ideia surgiu: e se existisse uma garota que conseguisse enxergar cores nas pupilas das pessoas? Seu nome seria Sophia. Mas o que significariam essas cores? O que aconteceria com ela?

O trânsito andou antes que eu percebesse que criava uma personagem. A ideia foi guardada em algum lugar do meu inconsciente, e a vida seguiu. Porém, em todos os outros momentos aprisionada na mesma situação, ela voltava. Sophia ia ficando cada vez mais nítida: seu rosto, o cabelo, o porte físico. Aos poucos visualizava sua personalidade, sua moral, gostos, medos. Ela se transformava em uma pessoa quase real. Mas eu ainda não entendia o que eu deveria fazer com ela.

Um tempo depois, atravessei um período de vida delicado, e precisei me agarrar em algo para não afundar. Pensei: vou escrever um livro. E Sophia me invadiu imediatamente. Até então, eu era apenas uma leitora. Nunca tinha estudado sobre escrita criativa, ou técnicas de criação de romance. Mas eu precisava de uma fuga. E ninguém nunca iria ler. Certo?

Então, liguei o computador, olhei para a página em branco, e entendi que a Sophia era a minha protagonista. Ok. Mas qual era a sua história? Eu não tinha a mínima ideia. Resolvi que apenas a deixaria viver, fluir para as páginas, e ver o que acontecia.

Para a minha surpresa, a história surgiu. Sem nenhum planejamento prévio, sem ter a mínima noção sobre o enredo, sem programar os outros personagens, o conflito, o final… Meu primeiro romance nasceu em 4 meses, com mais de 500 páginas.

Isso aconteceu em 2014. Quando terminei, o que eu já sabia que seria o primeiro volume de uma trilogia, eu virei mãe. O foco da minha vida mudou completamente, e Sophia foi engavetada e esquecida.

Chegamos em 2020, no auge da pandemia, quando tudo era incerto e amedrontador. Eu precisava continuar trabalhando, cuidando dos pacientes, me expondo ao risco de me contaminar e levar o vírus para casa. O estresse era massacrante e não tínhamos a menor ideia de quanto tempo iria durar. Comecei a sentir a mesma necessidade de fuga, que experimentei em 2014. Então, me lembrei da Sophia.

Achei o computador velho, enterrado no baú embaixo da cama. Ele ainda ligava! Encontrei o original. Reli. Salvei na nuvem. Encarei a tela: eu tenho um livro inteiro escrito. E se alguém quisesse ler? Preciso fazer algo com ele.

Os cursos de escrita criativa me ajudaram a não enlouquecer nesse período tão crítico para toda a humanidade. Li livros técnicos, conheci professores e outros autores. Entendi que precisava revisar e cortar. Como doeu cortar passagens da minha história: ao todo, foram 150 páginas. Trabalhei por mais quatro meses e cheguei na melhor versão que conseguiria sozinha. Precisava agora de um olhar profissional.

Navegando por esse novo mundo literário, conheci o Sandro Bier do canal “Café do escritor”. Um editor dedicado à publicação de autores independentes e que oferecia o serviço de leitura crítica. Mandei o meu original para ele.

Fiquei surpresa com a qualidade da sua avaliação, e ele, com o que encontrou:

Decidimos então publicar o livro pelo selo editorial “Página Nova”, a prestadora de serviço que ele fundou para tornar alcançável o sonho da publicação para inúmeros escritores. Assim surgia a trilogia “As cores de Sophia”, com o seu primeiro volume, “Cores de Vida e de Morte”.

O livro ficou disponível na versão física e digital, e para a minha surpresa, foi um sucesso!

A história conquistou inúmeros leitores, ganhando resenhas, feedbacks, avaliações na Amazon, entrevistas televisivas e na mídia impressa. Isso era o sucesso que almejava: leitores! Era tudo o que eu desejava – pessoas que me dessem a oportunidade de ser lida, de deixar a Sophia viver. Não sonhava com flashes, autógrafos, fama, prêmios, Academia Brasileira de Letras. Eu só queira ser lida.

Descobri que para isso, além de escrever, era necessário divulgar. Tive que aprender sobre marketing e me debruçar sobre as redes sociais, trabalhando com os recursos que eu tinha.

O universo conspirou ao meu favor: fez minha história chegar até uma leitora especial, a Cris Veríssimo, que se apaixonou pelo meu universo. Como profissional do marketing, especialista em escritores, me ajudou a impulsionar a Sophia para além dos meus escassos conhecimentos na área.

E aí, veio a minha primeira premiação: “Cores de Vida e de Morte” foi eleito pelo júri e pelo público o melhor suspense de 2021 pelo Prêmio Book Brasil! Algo que nunca, jamais, em momento algum eu havia pensado. Nem em 2014, quando eu nem sabia escrever um romance, nem depois de tê-lo publicado.

Pouco tempo depois, o Rafael Silvaro, editor da Madrepérola, me convidou para publicar a trilogia inteira da Sophia, de maneira tradicional, pela sua editora. E isso, foi uma conquista muito além do que eu havia imaginado, pois quando decidi publicar a história, nem me passou pela cabeça fazer isso por uma publicação tradicional. Eu não queria esperar meses no silêncio para entender que alguma editora não tinha aprovado, ou pelo menos, lido o meu original. Sabia que existiam muitos autores mais conhecidos para que elas investissem seus recursos. Sempre fui muito realista quanto essa expectativa.

Contudo, o Rafael enxergou o meu trabalho no meio dessa multidão. Gostou, e acreditou nele.

Então, relançamos “Cores de Vida e de Morte” na Bienal de São Paulo, de 2022. O livro ficou impecável! E já temos uma linha editorial para compor a trilogia toda.

O volume dois, “Cores das Chamas e da Escuridão”, já está finalizado, e passa pelos processos finais de edição. Tem o lançamento previsto para o segundo semestre de 20022. A minha maior satisfação é ver a expectativa dos leitores, para a tão aguardada continuação da história. Fato que eu nunca imaginaria, quando aquela garota que enxergava cores ganhou a minha imaginação no meio do trânsito da Avenida Rebouças.

E para os mais curiosos: estou iniciando a escrita do volume três. Para finalizar com chave de ouro essa trilogia fantástica.

Se você ainda não conhece, fica aqui o convite para mergulhar na história fantástica de “As Cores de Sophia”. Tenho certeza de que nunca mais enxergará a realidade da mesma maneira.

É só clicar no link abaixo e deixar o meu universo se misturar ao seu! https://livro.editoramadreperola.com/as-cores-de-sophia

“Escrever um livro é aceitar o desafio de controlar o transbordar da mente, é transformar a represa em rio, cuja forma e sentido irão depender de quem beber da sua água.”

Jorge Luís Marujo

A nova versão da escritora

Através de uma série de reflexões, realizamos juntos, aqui no blog, uma viagem pelo meu mundo particular da escrita. Começamos lá na minha infância, com “Sementinha de escritora” e passamos pelos anos que me firmaram como leitora, no “A essência do escritor”. Deparamo-nos com o momento delicado da minha vida que despertou novamente a escrita em mim em “O renascimento da escrita” e finalmente conhecemos o início do processo de evolução e conscientização da escrita em “O amadurecimento da escritora”.

Nesse último texto, contei como descobri a necessidade da revisão e reescrita do meu primeiro romance. Mostrei como, apesar de doloroso, o corte de cenas, capítulos e personagens, foi necessário para chegar à essência de história e deixá-la mais coesa. Ao final desse processo longo e penoso, entreguei minha obra para uma leitura crítica.

Mas eu não poderia ficar apenas aguardando o resultado dessa avaliação. Do que adiantaria ter o livro pronto em mãos, se não houvesse ninguém para lê-lo? E como as pessoas poderiam descobrir a sua existência e escolhê-lo entre o mar de opções? Eu precisava encontrar meu público leitor. Contar para ele que a minha escrita existia e que ele deveria experimentá-la. Que ela poderia ser interessante.

Para isso, precisei de coragem: me despir e tornar público alguns textos. Perder o medo de ser lida, criticada e, talvez, admirada. Mas, até então, minha produção se resumia a um romance. O que eu teria para mostrar? Para oferecer como degustação?

Após realizar mais algumas pesquisas e cursos, descobri que os contos poderiam ser uma boa opção para minha apresentação como escritora. Com isso, tive a ideia de criar esse blog, o Viajando nas ideias, para que ele fosse o cartão de visitas da minha produção literária. Aqui os leitores poderiam conhecer o meu estilo, os gêneros em que me sinto mais à vontade, e acompanhar minha evolução como escritora e o amadurecimento dos meus textos.

O maior desafio era: eu nunca escrevera contos antes. Eu não era habituada a ler contos. Sempre preferi os romances: narrativas mais longas, que nos dão a oportunidade de um envolvimento maior com a trama e os personagens, por mais tempo. Passei a vida toda lendo romances então, escrever um me pareceu extremamente natural.

Para encarar esse desafio, passei a ler coletâneas de contos de grandes autores (Edgar Allan Poe, Cortaza, Maupassand, Borges, Hemingway, Tchekhov, Machado de Assis) e mergulhei em um mundo, até então, completamente desconhecido.

Orientada por diversos cursos de qualidade, aprendi que a estrutura de um conto é completamente diferente de um romance. A narrativa curta deve ter menos personagens, poucos detalhamentos e descrições, se ater a uma situação. Precisa ser coeso, ter ritmo, e gerar o maior impacto possível. Através dos mínimos meios, gerar o máximo de efeito.

Estava habituada a desenvolver uma situação, para gerar o ambiente propício para história. Trabalhar nas camadas e desenvolvimento do arco de mudança do personagem. Estruturar o arco narrativo para evolução da trama. Cuidar da verossimilhança. E agora, eu teria que fazer algo completamente diferente.

Foi muito mais difícil escrever meu primeiro conto do que meu primeiro romance.

Depois de algumas tentativas fracassadas, finalmente cheguei a um texto que, aparentemente, era um conto decente. Por fim, criei coragem e o compartilhei em um grupo de escritores do qual participo. Para minha surpresa, foi muito bem aceito e elogiado. Foi o estímulo que precisava para finalmente publicar e colocar o blog no ar. Esse conto é “O médico e bêbado” que está entre as primeiras postagens daqui do blog e já foi publicado pela revista Paranhana Literário.

Aos poucos esse novo gênero de escrita nasceu em mim e encontrei uma nova versão de escritora adormecida, que até então, não fazia ideia da sua existência.

Sempre procurando melhorar e evoluir, continuei estudando, participando de cursos e oficinas e lendo. Lendo muito! Conforme o blog foi crescendo, ficando mais recheado, alguns seguidores foram aparecendo com comentários positivos e estimulantes e críticas construtivas.

Alguns de meus contos foram selecionados para participação de antologias. Recebi um convite para escrever um conto inédito, temático e especial, que me exigiu muita pesquisa, para compor uma antologia escrita apenas por mulheres: “Damas de Ferro”, da Projeto Literário Coletâneas (PLC), com lançamento em março/2021.

Com a prática acabei encontrando o meu estilo e descobrindo o que realmente gostaria de dizer. Qual seria a minha marca como autora. Assim, uma ideia para um novo projeto surgiu: uma coletânea de contos que sacudiria os leitores e os faria refletir. Sem abrir mão das boas histórias.

O universo de possibilidades da estrita estava apenas começando a se abrir na minha frente. E, como dentro de uma história nada é impossível, nem o céu seria o limite.

“No combate entre um texto apaixonante e seu leitoro romance ganha sempre por pontos, enquanto o conto deve ganhar por nocaute.”

Julio Cortázar

O amadurecimento da escritora

Percorremos juntos aqui no blog uma pequena jornada pelo meu mundo da escrita. Ela esteve presente na minha infância, como puderam conhecer em “Sementinha de escritora”; esteve em gestação dentro de mim enquanto me descobria uma leitora, como contei em “A essência do escritor”; e por fim, ressurgiu na minha identidade durante um momento difícil, mostrado em “O renascimento da escrita”.

Nesse último texto da série, contei como foi o processo criativo do meu primeiro romance: pura inspiração e fluidez. Em poucos meses escrevi uma história de mais de 400 páginas sem planejamento prévio nenhum, e conquistei minhas primeiras leitoras. As leitoras betas, como aprenderia mais tarde.

Porém, mesmo com esse grande projeto concretizado em minhas mãos, ele foi engavetado. Com a sua finalização eu entrei um uma fase de vida completamente nova e desafiadora: a maternidade. E ela sugava todas as minhas forças, minha atenção e minha inspiração. Toda a minha individualidade. Por alguns anos, o meu contato com a escrita se restringiu a textos espalhados em posts pelas redes sociais, e declarações explícitas de amor aos meus filhotes (são dois), como podem conferir no primeiro post desse blog, com o poema “Tempo, seja meu amigo”.

Após as crianças crescerem um pouco, e uma mudança de vida desafiadora para fora da capital paulistana, foi que comecei a ter contato comigo mesmo novamente. Encontrar o tempo precioso para ser eu mesma e retomar questões e desejos pessoais que precisaram ficar em “stand bye” por algum tempo.

Mas então, veio a Pandemia. E tudo foi pausado novamente: sonhos, projetos, metas. Tivemos que reinventar as nossas vidas: crianças presas em um apartamento, home office, home school, medos, incertezas, estresse, tristeza. E foi no meio desse turbilhão de emoções, onde eu não podia desmoronar, que surgiu aquela necessidade de fuga novamente. Um descanso da realidade da qual eu não tinha controle. Uma maneira de acalmar as angústias de uma mente agitada.

Foi quando lembrei daquele original, guardado onde ninguém poderia lê-lo. De que serve uma história se não pode ser contada, se não pode ser lida? Assim, abri a gaveta novamente e encarei o meu romance:

– O que vou fazer com você?

Minha primeira ideia foi estudar. Sim! Estudar o que eu poderia fazer com um original inédito, de uma autora completamente desconhecida. Como fazer para chegar ao público? E onde eu acharia esse público? Intuitivamente, minha primeira ideia foi mandá-lo para várias editoras grandes e famosas, na esperança de que fosse publicado e que eu encontrasse meus exemplares em cada livraria que visitasse. Não precisei estudar muito sobre o mercado editorial para entender que não é assim que as coisas funcionam no mundo real.

Antes de decidir para quem eu mandaria o original, letras garrafais brilhavam em todos os livros que li, e em todos os cursos que fiz, gritando: revise, revise e revise. E quando acabar, revise novamente. Quantas vezes forem necessárias. E são muitas vezes. A primeira versão do seu trabalho nunca será a versão final.

Aprendi sobre a estruturação do romance. Como já tinha a história pronta, tive que fazer o trabalho de traz para frente: ir conferindo se a estrutura do meu romance estava certa e ir concertando o que precisava, sem deixar tudo desabar.

 O meu processo criativo, em que a história foi surgindo por vontade própria, por pura inspiração, é o mais livre e mágico possível. Porém, exatamente por causa disso, como não segue um planejamento prévio, é o que pode dar mais trabalho na hora da revisão. A história acaba dando voltas, criando “dobras” e “gorduras”, que tiram a narrativa do eixo e a premissa acaba se perdendo. Assim, conheci na marra e sem aviso prévio, o momento mais doloroso para todo escritor: a hora de cortar. Sim. Tive que cortar vária passagens que não contribuíam para o desenvolvimento da trama ou para o aprofundamento das personagens. E, acredite, isso não é nem um pouco fácil de se fazer. Dói. Mas a história fica muito mais clara e coesa.

Além disso, a revisão também serviu para fechar pontas soltas e deixar os ganchos necessários para uma continuação, já que esse meu primeiro projeto se trata de uma trilogia.

Depois de meses mergulhada nesse processo de estudo, revisão e reescrita, considerei que tinha em mãos a melhor versão do meu trabalho a que conseguiria chegar sozinha. Agora, precisaria de uma opinião profissional. De uma leitura crítica. Encontrei um editor de confiança e entreguei meu original para avaliação.

Mas de que adiantaria o livro pronto, reescrito e editado, se eu ainda não tinha quem fosse lê-lo? Como as pessoas iam escolher ler o meu livro no meio da infinidade de tantos outros? Como poderia apresentar a elas a minha escrita, para que dessem um voto de confiança para ler o meu romance?

O meu amadurecimento como escritora ainda estava apenas no começo.

” Quando sua história estiver pronta para ser reescrita, corte-a até o osso. Livre-se de cada grama de gordura. Vai doer, revisar uma história até chegar à sua essência é um pouco como matar um filho, mas precisa ser feito.”

Stephen King

O renascimento da escrita

Quem acompanha a jornada da minha escrita aqui no blog, viu no meu texto “Sementinha de escritora” o surgimento dessa vocação na infância. Lá compartilhei as fotos dos meus primeiros romances escritos, ilustrados e editados pelo meu eu de seis anos. E também um texto muito especial de quando arrisquei me embrenhar pela poesia na pré-adolescência.

No texto “A essência do escritor” mostrei como o período em que a escrita ficou adormecida foi essencial para o desenvolvimento da minha identidade como escritora. Pois foi durante esses anos que me tornei efetivamente uma leitora e tive contato com as obras que me influenciaram e inspiraram.

Agora chegou o momento de mostrar como a escrita foi despertada novamente. Como ela emergiu das profundezas do meu inconsciente e voltou a fazer parte da minha identidade.

Reencontro com a escrita

Em 2009 me mudei para São Paulo. Dispensando apresentações, mesmo quem não conhece já deve ter ouvido falar das proporções monstruosas da maior cidade do país, e uma das maiores do mundo. Também não é segredo que a vida na capital é uma loucura, a correria é infinita e o trânsito é eterno.

E provavelmente foi no trânsito em que passei grande parte das horas da minha existência durante os 10 anos que residi na cidade. Além de torturante e angustiante, essas horas infinitas paradas no lugar eram muito tediosas. Não havia música ou programa de rádio que desse conta. Porém, mal sabia eu que o tédio é o maior combustível para a criatividade. O ócio criativo. Já ouviu falar?

Acredito que só sobrevivi a esses momentos sem enlouquecer graças a minha imaginação que ganhava asas e viajava para os lugares e ocasiões mais inusitadas. Lembrava de situações vividas, achava soluções para problemas e imaginava cenas e histórias que gostaria de experimentar.

E foi quando surgiu a minha personagem. Um dia, presa em uma fila enorme de carros, sob a chuva do fim de tarde, ela simplesmente brotou na minha mente. E se existisse uma garota capaz disso, isso e isso? O que será que aconteceria? Mas o trânsito andou, a ideia se dispersou, e a vida seguiu.

Em várias ocasiões engarrafadas, a personagem voltava a me visitar. Aos poucos fui visualizando como ela seria fisicamente, quais seriam seus princípios, seus gostos. E ela foi ganhando forma. Eu não tinha uma história em mente, apenas alguém diferente que queria implantar nesse mundo e ver o que poderia acontecer.

No final de 2013 tomei uma decisão que mudaria para sempre a minha vida: eu queria ser mãe. E essa passou a ser minha maior meta, meu mais profundo desejo. Uma verdadeira necessidade. Então, 2014 foi um ano regido por calendários menstruais, testes de farmácia e tentativas frustradas.

O ano avançava e o positivo não acontecia. Então, comecei a me deprimir. No início tentava encarar com naturalidade e me convencer de que tudo estava dentro da normalidade. Mas depois do sexto mês comecei a ficar realmente preocupada.

A frustração tomou conta dos meus dias, as cores se apagaram e me vi sem nenhum outro objetivo de vida. Sem um filho, nada mais faria sentido. Para quê construir alguma coisa se não existisse alguém para recebê-la?

E foi em um dos dias mais angustiantes desse processo que um lampejo de sobriedade acertou a minha mente: eu precisava de algum outro objetivo. Não podia me afundar dessa maneira por uma situação que estava completamente fora do meu controle. Que não dependia de mim. E foi numa madrugada, entre lágrimas com sabor de derrota, que decidi: vou escrever um livro!

Imediatamente minha personagem apareceu em minha mente, e no dia seguinte, liguei o computador e escrevi. Escrevi, escrevi e escrevi. Sem planejamento, sem estudo prévio. Simplesmente despejei uma história que estava engasgada dentro de mim e precisava ser contada (e que não tinha nenhuma relação com o momento que estava passando).

Depois de algumas semanas, e muitas páginas, comecei a sentir a necessidade de mostrar para alguém. Precisava que alguém lesse, opinasse, dividisse aquilo comigo. Com muita insegurança e timidez, conversei com quatro amigas e confessei o que estava fazendo. Eram pessoas com gostos literários bem variados, uma inclusive nem era leitora. Mas todas toparam na hora ler o que eu tinha escrito.

Comecei a mandar os capítulos conforme ia finalizando-os. E para minha surpresa, elas adoraram! Discutiam a história entre si, pediam spoilers, me cobravam quando eu demorava para mandar mais páginas. Eu sei que a opinião de amigas é suspeita, mas elas foram todo o incentivo que eu precisava.

Então eu mergulhei de cabeça nesse novo projeto. As personagens ganharam vida própria bem na minha frente e iam conduzindo o curso da história sozinhas. As cenas mais importantes apareciam quando eu escrevia, sem planejamento prévio. Até eu me surpreendia.

E quanto escrevia, parecia sair de mim. Não estava mais digitando na frente do computador. Era transportada para dentro da minha própria história. Me sentia leve, em êxtase. Foi libertador!

Ao final de quatro meses eu tinha um romance de mais de 400 páginas em mãos, um clube de leitoras, e uma satisfação que jamais tinha experimentado na vida! Algo adormecido fora despertado com todas as forças e não seria contido novamente.

Ah! Adivinhem o que aconteceu quando terminei de escrever o livro? Eu engravidei!

“Não há agonia pior que carregar uma história não contada dentro de você.”

Maya Angelou

A essência do escritor

O escritor constrói sua essência ao longo de uma vida. Soma experiências, vivências, gostos, aprendizados, e aos poucos vai construindo os tijolos de seu estilo e de suas histórias que um dia, poderá ou não, colocar no papel. Comigo não foi diferente. Tudo o que vivi e presenciei somaram os pedacinhos que me tornaram o que sou hoje e deram vida às histórias que carrego dentro de mim.

No meu texto “Sementinha de escritora” eu dividi com vocês meus primeiros contatos com a escrita na infância. Mostrei alguns dos meus romances infantis e compartilhei um dos poemas da minha pré-adolescência. Depois dessa fase, o ato de escrever passou por um período ausente na minha vida. Mas as histórias sempre se fizeram presentes. E é sobre isso que eu gostaria de contar.

Escritor em gestação

Penso nesse período da minha vida como um período de gestação em relação à escrita. Eu nem se quer pensava nela. Nunca imaginei que existia uma escritora adormecida dentro de mim. Mas esses anos foram extremamente importantes para criar a minha identidade como tal. Pois foi o momento em que mais absorvi os estímulos e exemplos e os fiquei maturando dentro de mim. Foi quando me tornei efetivamente uma leitora.

Li muitos autores maravilhosos ao longo da minha vida: Machado de Assis, Guimarães Rosa, Graciliano Ramos, Clarice Lispector, Mário de Andrade, Drummond, Dostoievski, Kafka, Gabriel Garcia Marques, entre outros. Todos verdadeiros artistas das palavras, que não escreviam, mas sim desenhavam, pintavam histórias em forma de texto.

Apesar de admirá-los e aprender muito com essas leituras, não foi exatamente aí que encontrei a minha essência.

Desde muito pequena, eu já tinha claro o que prendia a minha atenção e me fazia preferir uma história a outra. E esse gosto só foi sendo lapidado a medida em que crescia e escolhia minhas próprias leituras.

As primeiras coleções de livros que lembro que devorei foram a “Coleção vagalume” (vários autores) e a “Os Karas” de Pedro Bandeira. Marcaram muitos o início da minha adolescência e minha vida de leitora. Foi fácil perceber do que eu gostava: mistério. Para uma história me prender, tinha que existir algum mistério.

Devorava qualquer tipo de mistério: suspense, fantástico, terror, policial. E acabei me apaixonando pois estava me encontrando no meio daquelas histórias.

Estava no cursinho pré-vestibular quando li o primeiro livro que realmente me deu medo: “Saco de ossos” de Stephen King. Adorei a sensação de sentir o mesmo frio na barriga que alguns filmes conseguiam provocar, mas vindo pela deliciosa viagem de um livro! A partir daí não parei mais.

Depois desse, foram muitos livros, de muitos autores, que me alimentaram de mistérios, dos mais diferentes tipos. Foram aí que algumas histórias começaram a nascer e se desenvolver. Foram eles que me mostraram a minha essência e a minha identidade como escritora.

Foram esses livros os responsáveis pela fase de gestação, para que no momento certo, as histórias nascessem de dentro de mim. Afinal, sem leitura, não existe escrita.

Divido com vocês alguns dos títulos que me influenciaram e me inspiraram. Que trilharam o caminho para que eu escrevesse as minhas próprias histórias.

” Não há, em literatura, uma fórmula mágica: bons escritores, são sempre, bons leitores.”

Robertison Frizero

” Se você não tempo de ler, você não terá tempo (ou as ferramentas) para escrever. Simples assim.”

Stephen King

Sementinha de escritora.

Muitas pessoas me perguntam quando foi que resolvi virar escritora. Acho que a pergunta mais correta seria: quando foi que percebi que era uma escritora?

Será que a vocação é algo nato ou pode ser estimulada e desenvolvida? Será que os grandes artistas foram abençoados com algum dom além da capacidade da população em geral? E cabe apenas a eles a produção de feitos memoráveis que serão deixados de legado para a humanidade?

Acredito que sim. Algumas pessoas tem esse algo a mais de fábrica. Conseguem enxergar além do seu tempo, compreendem a essência humana, absorvem as entrelinhas da realidade, e depois transformam tudo isso em arte. Muitos são inigualáveis.

Mas apenas eles seriam capazes de nos tocar? Será que a simples existência de um amor especial pela escrita, também não poderia ser chamado de vocação? E não poderia essa vocação ser trabalhada, desenvolvida, e trazer também uma produção que agregasse valores, emoções, prazeres, inspirações nas pessoas?

Minha criança escritora.

Toda criança tem a imaginação muito fértil. Um terreno mágico, onde tudo pode acontecer. Quando bem explorado, e se as sementes certas forem plantadas, a colheita nos presenteará com os frutos mais magníficos!

Fui uma criança normal: fantasiosa, curiosa, sonhadora. Tive a sorte de crescer em um uma família equilibrada e amorosa. Tive mais sorte ainda, por ter uma mãe que lia para mim desde muito cedo e nunca deixou de incentivar os meus delírios infantis.

Eu sempre mergulhava nas histórias. Dos livros, dos desenhos animados, dos filmes. Me imaginava dentro delas. Criava cenários, personagens, tramas. Levava os amigos para esse meu universo e passávamos horas vivendo no nosso mundo de fantasia. E no final do dia, lá estava eu esperando minha mãe ler mais um livro que alimentaria as brincadeiras do dia seguinte.

Não era raro, eu parasitava meu tio:

– Tio, me conta uma aventura!

E ele improvisava enredos mirabolantes, que me deixavam com o olhar fixo e a cabeça nas nuvens. Mas nunca me dava por satisfeita. Mal ele terminava, e eu já queria outra história. Até que um dia ele me desafiou:

– Por que você não escreve suas próprias histórias?

Eu tinha 6 anos quando comecei a “escrever”. Meus primeiros romances eram feitos de sulfites dobradas, presas por fitinhas. Neles eu desenhava a história e minha mãe as escrevia para mim.  Os produzi durante a infância inteira!

Na pré-adolescência, arrisquei a poesia. Fiz um caderno de poemas, e escrevia sobre qualquer coisa que me vinha à mente: amizade, livros, plantas, prefeitura, meu desenho animado favorito. Quando o Ayrton Senna morreu tragicamente, fiz um poema para ele também. Esse foi muito elogiado pela minha professora da época, que o leu para a escola inteira durante as homenagens que fizemos. Acho que esse foi o meu maior público leitor até hoje.

Depois, vieram outras questões mais urgentes trazidas por essa fase da vida, e a escrita foi deixada meio de lado. Mas ainda lembro, no último ano do colegial, um exercício de redação narrativa, onde tínhamos que escrever um texto que usasse como personagens a chapeuzinho vermelho e o lobo mau. Criei uma história sobre uma jovem que usava um longo vermelho em uma festa e era assediada por um homem bem mais velho. O título era: “A idade do lobo”.

Minha professora de Português, Rose, ficou comigo na hora do intervalo, corrigindo a redação individualmente. Nunca esqueci seu veredito:

– Você está à beira de fazer um texto excelente!

Como eu queria receber um elogio desse novamente! Ainda mais vindo de alguém com a bagagem dela.

A vida seguiu. Vestibular, faculdade, residência médica (duas), casamento, filhos. Até que uma hora o comichão da escrita acorda novamente, e mais cedo ou mais tarde, nos lembra da nossa essência, e as histórias começam a fluir mais uma vez.

Compartilho com vocês, algumas fotos desse meu acervo pessoal. Publico na íntegra meu primeiro Best-seller: “A janelinha feliz”, escrito quando perdi meu primeiro dentinho e lido pela família toda. E, também, o meu poema inédito em homenagem ao Ayrton Senna. Uma pena eu não ter ficado com o texto “A idade do lobo”, mas ainda vou tentar reproduzi-lo.

Ayrton Senna

Foi um grande piloto,
corria bem na chuva.
Mas sua carreira acabou
bem numa curva.

Sempre foi e será
um grande campeão.
É o melhor de todos,
não tem nem comparação.

Foi um grande campeão
nunca iremos esquecer.
Sua vida de amizades,
ele fez por merecer.

” Se a criança não aprende desde a escola a criar, ela saberá apenas imitar durante toda a vida.”

Leon Tolstói

Por que resolvi fazer um Blog?

Você já parou para pensar em quem é você? Não me refiro ao nome, profissão, ocupação, posição familiar ou na sociedade. Quem é você como individuo, o que espera desse mundo, quais são seus verdadeiros desejos, suas metas, suas realizações.

Acho impossível definir um ser humano de maneira simples. Cheguei à conclusão de que somos feitos de vários pedacinhos, que juntos formam a pessoa única que vemos quando nos olhamos no espelho. Cada pedacinho é um aspecto da nossa individualidade. Alguns são maiores, ocupam lugares de grande destaque, e outros são menores. As vezes tão pequenos, que acabam sendo esquecidos. Mas cada fragmento é importantíssimo e essencial para vivermos em harmonia conosco mesmos e com o mundo. Quando negligenciamos algum deles, fica um buraco. Muitas vezes imperceptível. Mas que com tempo pode crescer e se aprofundar. Como resultado acabamos perdidos, deprimidos, sem entender o que está faltando e porque estamos em desequilíbrio.

Raciocinando dessa maneira, há algum tempo venho fazendo esse exercício pessoal, e tentando identificar os meus pedacinhos, e o que está faltando para preencher as lacunas. Não é fácil, mas vou tentar resumir.

Sou mãe. Uma mãe apaixonada, realizada e muito feliz com suas crias. Faço de tudo e largaria tudo por eles se fosse preciso. Claro, tenho meus momentos de sentimentos ambíguos, e de desejos secretos por desaparecer. Afinal, sou uma mãe normal, como todas as outras. E esse, é o meu maior pedaço. Aquele que com certeza ocupa o maior espaço, descaradamente. Mas, eu não sou só mãe.

Sou médica, Hematologista. Adoro minha profissão, tenho muito orgulho dela. Sinto que estou no lugar certo. Minha especialidade, no entanto, não é fácil. Cuido de vários pacientes graves, presencio histórias trágicas, sou muitas vezes sugada pelas famílias inconformadas. Já tentei ficar longe da clínica e trabalhar apenas em laboratório, sem contato com essa vivência tão estressante. Aguentei por 3 anos. Foi impossível continuar sem cuidar de pacientes. Afinal, por mais difícil que seja, esse também é um pedaço de mim. Grande e imponente.

Mas, esses 2 aspectos não me resumem. Longe disso. Eu já era alguém antes de ser mãe e médica.

Eu sou bailarina. Dancei ballet clássico com grande afinco por 11 anos da minha vida, na adolescência. Tive que parar por escolhas que a vida nos apresenta, mas sempre fui completamente apaixonada pela dança. Então, mesmo não praticando no momento, esse também é um pedaço de mim.

Eu sou corredora. Me encontrei na corrida de rua. Frente a toda a logística que o cotidiano me impõe, esse é um esporte que se encaixa na minha rotina e que facilmente ganhou o meu coração. Adoro me superar, chegar mais longe e mais rápido. Levo a disciplina, persistência e resiliência que aprendi para todos os aspectos da minha vida. Esse é outro pedaço de mim.

Eu sou uma leitora. Amo livros de ficção, desde sempre. O hábito começou na infância e se perpetuou pela vida toda. Tenho certeza de que conquistei muitas coisas graças a ele. Sou viciada em mergulhar no universo dos livros e viver outras vidas. Adoro esse pedaço de mim.

Mas existe algo ainda mais primitivo. Um pedacinho que estava escondido lá no fundo, e que sempre me cutucou, querendo vir à superfície. Por muito tempo foi difícil identificá-lo. Mas aos poucos, com esse exercício de autoconhecimento percebi o que era.

Eu sou uma sonhadora. Desde a infância. Era aquela criança que sempre imaginava, inventava, e trazia todas as outras para dentro da minha história. Tinha amigos invisíveis e realmente acreditava que existiam. Convenci todas as minhas amigas de que realmente era possível ir para a Terra do Nunca e fiz o prédio inteiro acreditar que uma bruxa morava no oitavo andar. Ninguém tinha coragem de ir lá. (Por favor, amigos de infância, não me deixem mentir e podem comentar bastante).

E era esse pedaço que estava me incomodando. Estava inutilizado, mas vivo, debaixo de tantos outros. Até que ele conseguiu emergir. Mas como ser uma sonhadora depois de adulta? Eu já conheço a realidade e sei que o Peter Pan não vai aparecer no meu quarto durante a noite. Só achei uma resposta: escrevendo!

Criar histórias faz parte da minha identidade desde criança. Esse fragmento apareceu algumas vezes ao longo da minha existência, mas sem receber muita atenção. Surgiu em textos espalhados por aí, em cadernos, diários, redações, redes sociais. E agora que foi reencontrado, seria impossível fingir que não existe.

Então, criei esse blog. Com o intuito de viajar nas minhas ideias. Livremente e sem censuras. Convido vocês para me acompanharem e esquecerem um pouco a realidade. Permitam-se voar sem sair do lugar, e serem transportados a mundos novos, com infinitas possibilidades. Afinal, é isso que as histórias fazem.

Apresento assim, mais um pedacinho de mim. O pedacinho que demorei 38 anos para reconhecer: eu sou escritora.


“(…) a melhor parte (desse livro) é uma carta de autorização: você pode, você deve e, se tomar coragem para começar, você vai. Escrever é mágico, é a água da vida, como qualquer outra arte criativa. A água é de graça. Então beba.

Beba até ficar saciado.”

Stephen King, “Sobre a escrita”.

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