O corredor se estende a minha frente. A luz fria alcança apenas alguns metros, depois a escuridão é total. Um túnel que mergulha no negrume denso e pesado. Impossível mensurar a sua extensão. O chão é áspero e arranha os meus pés descalços. Um cheiro acinzentado de mofo e umidade, o gotejar ritmado que acompanha as batidas do meu coração.
Não posso continuar parada, sinto uma avassaladora urgência em sair daqui. Impossível voltar por onde vim. Minha única opção é adentrar nas trevas que me aguardam pacientemente. Posso sentir o seu pulsar e a respiração ofegante. Dou o primeiro passo.
Avanço com cautela, com os braços estendidos, como se eles pudessem enxergar por mim. Após pouco passos, a luz fria já está tão distante que parece a chama fraca de uma vela. Não vejo nada, apenas a massa escura. Apoio a mão direita na parede para me guiar. Viscosa e escorregadia, como a mucosa do fundo de uma garganta. Sinto repulsa e recolho o braço instintivamente. Porém, é o único ponto de referência que tenho para continuar andando em linha reta. Assim, tento não pensar no que estou tocando enquanto meus dedos deslizam e ficam ensebados. Um mínimo senso de direção.
O chão torna-se molhado. Uma fina camada pegajosa envolve meus pés. Meu estômago convulsiona e faço força para não vomitar quando um cheiro quente e pungente de podridão invade as minhas narinas.
O medo mudo estridente me invade quando uma mão pesada repousa em meu ombro. Corro sem pensar o mais rápido que consigo, a urgência queimando o peito. O corredor pulsa enquanto avanço para suas profundezas e me desnuda das camadas de vida. Sinto-me apagar enquanto minha essência é jogada para as trevas famintas.
Meus pulmões me obrigam a parar. Necessitam sorver-se de ar. Ofegante, escuto o choro de uma criança ao longe, além das paredes.
– Olá?! Onde você está?! – O choro aumenta o tom em resposta.
Caminho apressadamente. Há uma presença me observando. Muda, no meio das sombras. Apenas aguardando que o mundo se cale para que possa avançar. Corro novamente, escutando o arranhar de dedos nas paredes ao meu redor, me acompanhando.
O túnel infinito termina em um muro. Escuro, viscoso e pegajoso como as paredes. Não tenho saída. Meu coração bate com força contra meu peito e posso ouvi-lo pulsar dentro dos meus ouvidos. Sei que a presença está próxima.
A mão se aproxima dedilhando o chão e sobe pelas minhas pernas com seus dedos gelados e ásperos. Aperta minha coxa cravando as unhas na pele inocente. Fecho os olhos e grito de pavor. Com todas as forças que me restam. O som explode no ar balançando toda a estrutura do corredor, que percebo desmoronar ao meu redor.
Abro os olhos, estou na minha cama úmida. O cheiro de amônia atinge minhas narinas e meu coração ainda galopa. Aos poucos, ganho controle da minha consciência novamente. O tremor diminui enquanto reconheço as sombras do quarto.
Mas então, a vejo. A presença materializada em uma enorme massa escura espreita junto à porta. Caminha silenciosamente ao meu encontro enquanto sinto a umidade da cama se acentuar. O grito mudo sufoca minha garganta. Paraliso.
Senta-se ao meu lado. Cheira a suor enegrecido e amadeirado. Sinto novamente o dedilhar frio nas minhas pernas. A mão aperta e crava as unhas curtas na minha coxa. A claridade surda da janela reflete em seu pulso: ele sempre usa o relógio com que o presenteei no dia dos pais.
Ah, o velho e primitivo medo do escuro que nos atormenta desde remotas eras. Mas, aqui, há um medo bem mais concreto que descobrimos no final. E vindo justamente de alguém próximo e real… Parabéns pelo conto!
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Juliana, que conto! Despertou em mim medos…excelente! Você retratou com perfeição os medos de quem sofre violência sexual. 👏👏👏👏
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Ela está presa em dois corredores: um em seus pesadelos, e um outro real…
Horripilante… e incrível… parabéns Ju.
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